quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A Metamorfose

A capacidade do ser humano de se adaptar sempre me impressionou, mas a falta de capacidade de se readaptar a uma condição previamente abandonada exibida por alguns espécimes impressiona muito mais.


Porque é comum ver pessoas que, ao conseguir um emprego melhor, por exemplo, imediatamente se acostumam ao conforto. Experimente tirar esse emprego da pessoa, retorná-la ao padrão de vida anterior. É um desespero só. Sentem-se incapazes de arcar com as despesas da própria vida. É como se esquecessem que já viveram de forma relativamente confortável pouco tempo antes.


O mesmo se aplica a alguns motoristas. Uma vez motorizados, aparentam não lembrar que já foram pedestres algum dia, e, como tal, detestavam ser quase atropelados ao atravessar a rua no sinal, ou tomar um banho de água da sarjeta em dias de chuva por causa de um apressadinho, ou mesmo não poder caminhar pela calçada porque algum mal educado a ocupou inteira com o carro.


A estes, a classificação de "ser humano" não mais cabe; tornam-se máquinas, máquinas de correr, buzinar e xingar a mãe alheia. E pobres de nós, que nunca sofremos tal transformação: a nós cabe fugir de tais instrumentos possuídos - refiro-me aos motoristas; os carros de nada têm culpa - como se nossas vidas dependessem disso. E dependem, o pior é que dependem.


Por isso não dirijo. Os fatos de não saber pilotar nada mais móvel que um fogão e não ter dinheiro pra comprar nem um patinete não influem nessa decisão. É o medo, o mais puro medo de sentir, em vez de um coração batendo no peito, o ranger de engrenagens mal lubrificadas. Juro.

2 comentários:

Unknown disse...

Jura?
Eu acredito, vai... hauhaauhau

"Os fatos de não saber pilotar nada mais móvel que um fogão e não ter dinheiro pra comprar nem um patinete..."
Tipo... Meu caso é bem esse...

Gostei mto do texto... E é bem assim q acontece...
Virou motorista, não é mais ser humano... .__.

De Beachbarengril disse...

Motoristas, em especial motoristas brasileiros, amam mais o seu carro do que a própria esposa ou filhos (sim, ocorre. São do tipo: "mexa com minha mulher, mas não arranhe meu carro"). Uma nação movida pela paixão pelos motores, idolatrada pelas propagandas, emburrecida pelas bestas que os pilotam.

Sim, eu bem que quero ter um carro. As costas doem demais ao ficar 40 minutos com quase 10kg no ponto de ônibus debaixo de um sol desgraçado, e ainda ter de viajar em pé, correr o risco de ser assaltada, de sujar a roupa num banco destruído qualquer, de aturar terceiros atrevidos. Não poder sair no único horário livre do dia ou do fim de semana por ser perigoso, tarde e longe. Por não ter carro. Ao mesmo tempo que o isolamento e conforto de um carro assustam, pois, como bem dito no texto, acomodam, transformam e nos fazem menos sensíveis. A responsabilidade de dirigir, negligenciada pelo povo, é a principal causa de eu não ter quebrado meu cofrinho em forma de coco (e não de porco) para dar entrada em uma lata velha.

Enfim, parabéns pelo texto *.*