quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A Metamorfose

A capacidade do ser humano de se adaptar sempre me impressionou, mas a falta de capacidade de se readaptar a uma condição previamente abandonada exibida por alguns espécimes impressiona muito mais.


Porque é comum ver pessoas que, ao conseguir um emprego melhor, por exemplo, imediatamente se acostumam ao conforto. Experimente tirar esse emprego da pessoa, retorná-la ao padrão de vida anterior. É um desespero só. Sentem-se incapazes de arcar com as despesas da própria vida. É como se esquecessem que já viveram de forma relativamente confortável pouco tempo antes.


O mesmo se aplica a alguns motoristas. Uma vez motorizados, aparentam não lembrar que já foram pedestres algum dia, e, como tal, detestavam ser quase atropelados ao atravessar a rua no sinal, ou tomar um banho de água da sarjeta em dias de chuva por causa de um apressadinho, ou mesmo não poder caminhar pela calçada porque algum mal educado a ocupou inteira com o carro.


A estes, a classificação de "ser humano" não mais cabe; tornam-se máquinas, máquinas de correr, buzinar e xingar a mãe alheia. E pobres de nós, que nunca sofremos tal transformação: a nós cabe fugir de tais instrumentos possuídos - refiro-me aos motoristas; os carros de nada têm culpa - como se nossas vidas dependessem disso. E dependem, o pior é que dependem.


Por isso não dirijo. Os fatos de não saber pilotar nada mais móvel que um fogão e não ter dinheiro pra comprar nem um patinete não influem nessa decisão. É o medo, o mais puro medo de sentir, em vez de um coração batendo no peito, o ranger de engrenagens mal lubrificadas. Juro.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Azul

Minhas memórias dividem-se em cores, seguindo um padrão muito lógico - pelo menos para mim: são azuis as que me deixam tranqüila, beirando a melancolia. Amarelas, as que me causam desconforto, vontade de fugir, de esquecer. Vermelhas, as em que agi por impulso. Verdes, algumas que nunca consegui classificar muito bem.

Nunca entendi bem o porquê. As cores e os cheiros, não posso me esquecer dos cheiros. Dia de faxina tem um cheiro todo especial, mesmo antes da faxina começar. Dia de chuva também. Sinto quando ela chegou porque o cheiro ao meu redor muda. O cheiro da atmosfera parece mudar de tempos em tempos, e, por isso, sempre sei quando vou acordar resfriada no dia seguinte.

Sou uma pessoa olfativa e colorida. E por isso me pergunto porque raios a atmosfera lúgubre do andar inferior da Lapa tem cheiro, pra mim, de chuva. E é azul. Pelo menos na memória. Me faz me sentir nostálgica, senti que já estive lá antes logo da primeira vez em que pisei lá. Ou algum lugar bem parecido. É como se fosse um cantinho obscuro da minha memória, que é ativado apenas quando estou por lá.

Acho que minha memória tem vários cantinhos obscuros, com pequenos triggers que só funcionam em situações específicas que nem eu sei precisar quais são. Esse lugar parecido com a estação da Lapa, por exemplo. Eu não sei que lugar é esse. Não sei se é algum lugar no Rio - os pontos de ônibus da Rodoviária, por exemplo. Ou em Pernambuco - uma das muitas Estações de Integração. Ou se estive nesse lugar em meus sonhos. Só sei que é azul, muito azul. A luz é fluorescente, e, por isso, azulada. Ou talvez não tenha luz nenhuma: talvez seja azul por padrão, imutável.

Um lugar eternamente azul. E fico eu azul também, azul na minha solidão - esse lugar me transmite muita solidão -, azul no canal de transição de lugar vazio para lugar algum, azul-desespero, não de estar desesperada, mas desesperançosa. Imagino os portais do inferno de Dante azuis: Lasciate ogni speranza, o voi che entrate. E eu entrei, e mergulhei nessa imensidão azul que é a memória. E a esperança, esperança de descobrir que lugar é esse, ficou na porta, abandonada, retida, proibida.

E o ônibus azul passou, e eu entrei. E lá ficou a esperança, até que um dia eu retornasse...

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Oh, André Julio, não me deixes! Jamais te deixarei, Josefa Ursulina!

Todo mundo gosta de um dramalhão mexicano, nem que seja só para rir dos limites da criatividade humana para nomes compostos. O que ninguém se dá conta é de que, às vezes, a novela - ou alguma situação típica desta - pode acontecer na vida de alguém bem próximo a você. Ou até mesmo na sua própria vida, como aconteceu comigo.

Era uma noite chuvosa e abafada de dezembro, no Rio de Janeiro. Todas as noites de dezembro no Rio de Janeiro tendem a ser chuvosas e abafadas, exceto aquelas que são só abafadas e sem uma única gota de chuva, mas essas são raras. Meu amigo, ex namorado e eterno inimigo ia viajar para Iguaba Grande, que de grande só tem o nome, uma cidadezinha na Região dos Lagos, para passar o natal com a família. Como eu não tinha absolutamente nada melhor para fazer, resolvi acompanhá-lo até a rodoviária, só para ter uma desculpa pra sair de casa.

Na volta, sentei no último banco do ônibus. Aqui cabe um aparte: apesar de ser proibido fumar em coletivos, no Rio, pelo menos nessa época, o tabagismo era tolerado se praticado apenas no último banco do ônibus e na janelinha. Então me sentei no bendito e acendi meu cigarro tão logo acreditei que ninguém fosse se aboletar ao meu lado para reclamar.

Só que alguém aboletou-se. Olhei para o lado e dei de cara com uma bela moça, de pele tostada pelo sol, olhos e cabelos cor de mel e trajes que pouco deixavam à imaginação. Era linda, embora me parecesse algo familiar. E tratei de usar o artifício mais à mão que tinha para puxar papo, não poderia perder a oportunidade de travar conhecimento com uma menina tão atraente sentada logo ali, do meu lado.

- Te incomoda a fumaça do cigarro?
- Claro que não! Só me incomodo se você não me emprestar seu isqueiro.

Ótimo. Já tinha de onde partir: ela era simpática, e não teria nojinho de mim só por eu fumar. Emprestei o isqueiro, e continuei na empreitada de arranjar assunto.

- E então, voltou de viagem ou está aqui a visita?
- Voltei de viagem. Estava na casa do meu pai, em M*.
- É mesmo? Que coincidência, meu pai também mora em M* (não quis mencionar o fato de que é o pai biológico, que nunca conheci. Achei que seria falar demais pra um primeiro contato.)
- É? Que legal! Qual seu nome?
- Aline. E o seu?
- Suzana.

Epa. Eu tenho uma irmã mais velha, uma das duas filhas de meu pai biológico, chamada Suzana. Quantas coincidências!

- E quantos anos você tem, Suzana?
- 21, e você?
- 16. (epa. Minha irmã é cinco anos mais velha que eu...)
- Legal. Então você tem família em M*, é? Talvez conheça meu pai. Ele era bem conhecido lá, foi até vereador. O nome dele é JCT*.
- Ah, conheço sim.

Ai, meus deuses. É, sabia que era coincidência demais. A idade, o nome, a cidade... Não percebi porque estava encantada com a beleza da menina: o rosto me era familiar por ela ser minha irmã. O mesmo formato de olhos, o mesmo nariz reto, a mesma cara de lua cheia. Só que muito mais bem cuidada, claro. E bronzeada.

Agora ela é quem queria puxar papo. Perguntou se eu gostava do The Doors, se bebia, se topava ir na Lapa com ela no final de semana seguinte... Concordei com tudo sem pensar muito, sem conseguir falar, sabendo que a voz sairia embargada.

Estava à beira das lágrimas, literalmente, e à menor ameaça de abrir a boca eu sabia que abriria junto o berreiro. Me sentia parcialmente feliz - afinal, conhecera minha irmã mais velha! - e parcialmente culpada - afinal, minha intenção era conhecer a moça no sentido bíblico -, e não sabia como reagir. Especialmente porque ela subitamente ficou interessada. Isso ou era louca, de ficar puxando papo e chamando para sair uma completa estranha que por acaso emprestou um isqueiro.

E no final de semana, fui para a Lapa, afinal. Disposta a contar tudo a ela, sem saber direito como. "Oi, tudo bom? Desculpa se eu pareci dar em cima de você, eu sei que não rola. Sabe como é, a gente é irmã por parte de pai..." ou talvez "Sabe, eu me dei conta de mais uma coincidência entre nós. Meu pai também foi vereador de M*... E também se chama JCT*!", ou um sem número de outras formas foram exaustivamente ensaiadas, e abandonadas. Acabei por decidir simplesmente seguir o estilo Darth Vader, e dizer "No, Suzana, I'm your sister", ou algo assim.

E não a encontrei. A bem da verdade, nunca mais a vi. E por isso guardo com tanto carinho essa lembrança fraterna.

Especialmente porque, até então, eu achava que isso de se interessar por alguém e depois descobrir que esse alguém é parente seu só acontecia em novela. Hoje em dia, não duvido de mais nada!

*: Os nomes foram ocultados para proteger a identidade das pessoas envolvidas.

domingo, 23 de novembro de 2008

Eles não prestam

"Ei, gostosa! Vai ignorar? Você não gosta de rola não? Olha só, gente, ela é sapata!"

É claro, faz todo o sentido do mundo. Se preferimos ignorar um comentário chulo desses, a única explicação plausível é que não gostamos de homem. O mau gosto do que foi dito não tem relevância alguma nessa questão.

Oh, não, a "elogiada" preferir passar uma tarde inteira comendo pregos com molho de arsênico não tem nada a ver com o caso. Se fez cara feia, é porque é homossexual. Como se a opção sexual de alguém tivesse algo a ver com a situação como um todo.

Nem vou entrar no mérito do absurdo que é ouvir uma patacoada dessas em pleno século XXI. Do ridículo que é o cidadão afirmar uma coisa dessas como se fosse a pior coisa que ele poderia dizer, numa época em que a homoafetividade é tratada com tanta clareza até mesmo na mídia que costumava fazer tanto escarcéu -comparem o casal de Torre de Babel com a personagem de A Favorita, hã hã. 

Tá aí. Maldito espírito da escada. Dá vontade de olhar pra cara do sujeito e dizer, "ei, isso é o melhor que você pode fazer? Não quer dizer que minha mãe é gorda também?". Ou então, "Se você é um exemplo de homem, desculpe, mas prefiro pizza mulher".

Porque, gente, isso parece o tipo de birrinha que crianças de 8a série fariam. Juro. Aconteceu de certa vez na 8a série um menino me chamar de sapatão (é, sapatão mesmo, não lésbica, não gay: SA-PA-TÃO. E eu calço 37, hein...) só porque não quis ficar com ele. Não existe mais seletividade, é isso? É tipo, se caiu na rede é peixe? Se o cara tá me dando o privilégio da atenção dele eu devo me resignar e topar, sem livre arbítrio? Chauvinismo voltou à moda e ninguém me avisou nada?

Graças aos deuses o ônibus foi embora logo. Se a situação durasse mais, não sei o que iria fazer. Acho que perderia de vez toda a fé na humanidade.

Depois dessa, só tenho certeza de uma coisa: que saudades da menina do PUXA!

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Observando pessoas

Foi tudo que apreendi do lugar onde estava: era loira e usava rabo de cavalo. Uma miríade de presilhas multicoloridas pontuava o mar dourado, retendo as vagas mechas que insistiam em portar-se de forma mais rebelde. Nas orelhas, pequenos dragões de prata bailavam conforme os movimentos de seu corpo. Delicadas flores lilases adornavam sua nuca, indeléveis. Camiseta preta e óculos completavam o quadro do meu campo de visão: ela estava de costas para mim, ou antes, eu sentava atrás dela.

Suas mãos remexiam em uma sacola de plástico que repousava em seu colo, até produzirem um arco com orelhas de oncinha. E um rabo de oncinha. Com bolinhas em uma das pontas. A sacola tinha um logotipo, que logo entrou em meu campo de visão: provinha de uma sex shop.

Meu ponto chegou, e eu desci do ônibus. Mas nunca deixarei de me perguntar: o que leva uma pessoa a inspecionar suas compras, compras dessa natureza, dentro de um Praia do Flamengo-Lapa, às 8h15 da noite?

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Redenção

Ó chuva
Caia sobre este rosto pálido
Cálido das lágrimas que não pode verter.

As lágrimas celestiais
Purificam o mundo nublado
Que tornem-me pura também!

Que purifiquem minha alma
E lavem estas lágrimas
Que mancham meus olhos, lábios e gestos.

Até que as névoas do dia cinzento
Dissolvam-se em um mar de luz
Que inunde as ruas: o dia está lindo.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Love Story

No entrecruzar de olhares, um sorriso tímido que julgava entregar seus sentimentos, mas que, na verdade, era interpretado como mera simpatia.

No meio do tumulto, um abraço recebido com estranhamento, um abraço que fugiu totalmente ao padrão. Um abraço desejado, ainda que não soubessem.

Lábios de pétalas de rosa abrem-se em um sorriso antes apenas imaginado. Uma conversa. Uma conversa havia muito esperada, uma conversa que precisou de toda a coragem do mundo.

E o dia chegou e as nuvens foram embora.

As mãos se buscam, quase que por instinto. Um abraço, já sem tanto estranhamento. Ternura. Fugas.

E, assim, o que antes era "impossível" agora é "para sempre". E ainda não é desta que a morte as separará.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

No escurinho do cinema...

Nada mais clichê que ir ao cinema com namorado ou paquera. 

Um amigo meu ocasionalmente me aborda, todo empolgado, para contar que vai ao cinema no dia tal com fulana, sendo fulana a paquerinha da vez. Poxa, que bom! E qual a grande novidade por trás dessa notícia?  Mas essa é a novidade. É? Então tá.

Particularmente, nunca gostei muito de ir ao cinema acompanhada, por quem quer que fosse. Principalmente não namorados ou rolos. Gosto de prestar atenção nos filmes e, do jeito que os ingressos andam caros, me sinto lesada caso não consiga fazê-lo. Como tenho o attention span de uma samambaia plástica, amigos tendem a me distrair. E paqueras ou namoros-em-fase-inicial tendem a alterar o foco de atenção,  ainda que por excelentes motivos, de forma ainda mais incisiva e profunda, trocadilhos à parte. 

Sempre me perguntei porque tamanha empolgação em ir ao cinema com seus parceiros. Tudo bem, é escurinho. OK, as outras pessoas têm mais no que prestar atenção. Mas ainda é um local relativamente público, e gente fofoqueira existe em todo lugar. Especialmente quando a gente não quer.

Por tudo isso, me surpreendi quando me vi ansiosa por ir ao cinema pela primeira vez com minha "pessoa especial". Mesmo temendo não conseguir assistir o filme direito - para piorar, iríamos com amigos - não cheguei a me importar muito. Confiei nela, confiei em mim, e não me decepcionei. Nem me arrependi.

Com toda a minha amargura de cinéfila, tinha me esquecido do quão agradável pode ser asssitir um filme no cinema bem agarradinha. E, agora que lembrei, espero nunca mais esquecer de novo - é o tipo de coisa que merece ser feita sempre que possível.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Canção da Discórdia

Bem que eu queria poder postar a letra de uma bela canção de amor aqui hoje. Mas, como não cheguei a tomar parte do processo criativo propriamente dito, receio que não seja direito meu postar aqui qualquer coisa que tenha relação com tal obra de arte.

Gostaria de deixar bem claro que não foi por falta de vontade que não mereci ter minha assinatura junto à da outra autora da canção. É que não me pareceu certo me intrometer no talento astronômico de terceiros. Afinal, sou uma reles aprendiz; é injusto esperar que grandes escritoras desacelerem seu raciocínio apenas para me dar a oportunidade de acompanhar as idéias. Tola que sou, me atrevi a acreditar que seria necessário discutir para chegar a conclusões óbvias, como "dor rima com amor", "saudade rima com vontade", entre outros chavões tão exaustivamente repetidos do cancioneiro romântico popular brasileiro. Até mesmo ousei crer que minha opinião poderia ser de alguma valia.

Felizmente soube manter minha humildade e parei de insistir. Afinal, ainda estou muito longe de poder me considerar uma boa escritora: a estrada ainda é muito longa, mal comecei e ainda tenho muito o que aprender. Seria óbvio esperar que escritoras de tão grande talento e carreiras tão longas não precisassem de minha ajuda. Eu apenas ensombrearia o brilho que não me pertence, nem nunca pertencerá.

É preciso conhecer seu lugar, afinal.

De toda sorte, aproveito ainda para me prontificar a engolir meu aparentemente enorme ego e compor, em dupla com alguma outra pessoa, essa tal canção apaixonada. Mas, por favor, designem-me um parceiro de nível similar ao meu. Porque não sei se aguento a emoção de novamente compor junto a alguém de incomensurável talento e incomparável humildade.

[/ironia]

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Improvements

Uma das coisas que sempre me encantou em ensinar é poder acompanhar a evolução dos alunos. Desde que eu comecei a dar aulas particulares, achava lindo quando comparava o desempenho da pessoa no primeiro dia de aula e o dos últimos dias e constatava a melhora. Acho que é por isso que eu insisti nessa idéia - a princípio louca, já que sou extremamente tímida - de ser professora.

Eu ainda não tinha sentido isso aqui no meu trabalho. Poucos alunos tiveram aula comigo mais de uma vez, e, os que tiveram, raramente demonstravam grandes improvements de uma aula pra outra. Nesses casos, costumava ser mais reposição. Claro que eu tenho uma ou duas alunas "de estimação", mas não é a mesma coisa.

Agora eu posso me considerar realizada no meu trabalho. Logo na minha primeira semana, peguei uma aluna meio problemática para dar reposição. E uma das primeiras coisas que ela me disse foi, "odeio inglês e só estudo por obrigação". Pensando nisso agora, me foi impossível não lembrar da discussão pós-"Escritores da Liberdade", quando tia Eliana falou da frustração de ouvir de um aluno dizer, "não gosto disso!". Na hora em que ela me disse isso, me deu um aperto no peito, porque senti que ia ter dificuldades.

Então, recentemente, essa mesma aluna marcou outra monitoria, igualmente para reposição. E, para minha surpresa, ela disse que adorou a aula. E, de fato, a aula foi excelente, modéstia à parte. Duas horas voaram como se fossem vinte minutos. E marcou a próxima, para hoje, não porque precisasse de reposição, mas porque estava achando divertido aprender. E, na aula de hoje, novamente o tempo voou. E marcamos uma próxima. E ela me disse que está começando a tomar gosto por essa história de aprender inglês. E o melhor é notar que, de fato, ela está aprendendo.

Em todas as entrevistas de emprego que fiz em cursos de inglês, uma das últimas perguntas sempre foi "Why do you want to teach english?'. E a resposta, invariavelmente, era "Because I'd like to help people improve themselves". E agora eu sei que era a resposta mais certa que eu poderia dar. Porque a sensação é ótima.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Chachipén*

E a porta do ônibus se abriu, e dele desceram cinco ciganas, completamente paramentadas.

Uma delas se aproximou, tomou minha mão e, olhando bem fundo nos meus olhos, me perguntou se eu gostaria de saber o que o destino me reserva. Agradeci a oferta, mas me senti compelida a recusar. Que graça teria saber de antemão o script da minha vida?





*: Segundo fontes não muito confiáveis, chachipén significa "verdade" em Romani, a língua cigana.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Pessoas estranhas

Adoro gente estranha. Gente estranha inspira, instiga, provoca as idéias que, de outra forma, correriam desarrazoadas por aí, afobadas e mal comportadas que são. Às vezes, é um trejeito, um tique nervoso que transparece sem que o observado se dê conta. De outras, é difícil precisar o que me desperta a atenção, mas sinto que há algo ali que valha a pena.

Ela usava camisa branca e calças pretas, mas seus contrastes não paravam por aí. Os pés descalços pareciam inchados, talvez por causa dos enormes saltos, que jaziam abandonados ao lado do banco em que estava sentada. Falava ao telefone e gargalhava, mas o riso morria em seus lábios - seus olhos permaneciam sérios, até mesmo marejados. Era uma menina chuvosa em um dia ensolarado. Ria, e mexia na barra da calça. Ria, e roía as unhas. Ria, mas era nítido que queria chorar.

Estava sentada como se no sofá de sua casa. Tão à vontade que, em dado momento, jogou-se para trás e deitou. Os cabelos louros, antes arremessados em seu rosto, agora espalhavam-se amarelados pelo banco amarelo da faculdade.

Parecia tão indefesa, tão carente de afeto, que me deu vontade de me aproximar para ouvir o que dizia. Não tive coragem. Temi que se afastasse, me achando estranha demais para merecer sua atenção.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Olhares

Me olhou com olhos de carência e pediu-me que fizesse algo que, sinceramente, eu não estava muito disposta a fazer, mas não pude dizer não. Recolhi minhas coisas e fui atender seu pedido, ainda que receosa. Me sentia constrangida, envergonhada, tímida. Era algo que eu estava acostumada a fazer, desde muito cedo, mas não com três pessoas ao mesmo tempo. Ainda mais três mulheres, aliás, três meninas, tão jovens.
Três pares de olhos me encaravam ansiosos. Não sabia o que fazer, não conhecia suas expectativas, não estava preparada. Permiti que guiassem o momento. Os olhares me seguiam, tão perdidos quanto os meus. Elas não queriam tomar o controle. Elas esperavam que eu as levasse, que eu ensinasse, que eu dissesse o que fazer. As rédeas da situação teimavam em fugir ao meu controle, e seus olhares tornavam-se reprobatórios, à medida em que o meu esquivava-se.
Conversamos um pouco. Olhos risonhos, quando o diálogo começou a fluir. Conversamos sobre muitas coisas: o dia-a-dia, namorados, livros, música, piadas. Ficamos à vontade, rimos, nos divertimos. Meu olhar não mais desviava dos delas. Senti confiança. Me senti segura. Dei a elas o que queriam, e elas quiseram mais, mas nosso tempo acabou. Ficou para a próxima.
Depois, encontrei-me com Michael, que me perguntou como foi a aula. "We just couldn't stop laughing", eu disse. Ele me olhou com interrogações nos olhos. Eu devolvi um olhar misterioso. As alunas passaram pela janela do RC e acenaram. "It was good, then. I guess.", ele disse. Também acho, teacher. Foi uma aula divertida. Mas, nem que me paguem o dobro do salário eu repito a dose semana que vem.

sábado, 1 de novembro de 2008

Diálogos insólitos 2

- Nossa, a sua é enorme!
- É porque você não viu o tamanho da minha.
- Vocês querem que eu me retire?
- Não precisa, a gente vai ali pra varanda...
- Não.
- Pro banheiro? Ou, sei lá, seu irmão tá em casa? A gente pode usar o quarto dele...
- ... você trouxe o notebook pra eu te mostrar o tamanho da minha?
- Ué, mas só funciona pelo computador é?
- Claro!
- Me mostra pela webcam depois, então!
- Webcam pra mostrar a lista do MSN? Tá maluco?!