quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Solitude

No dia em que minha vida se acabou, havia tantas nuvens que não se enxergava o céu. Era um teto cinzento, sem falhas, homogêneo. Parecia que o sol, ciente do que estava por acontecer, se recusou a mostrar sua face, por receio de derramar lágrimas e competir com a garoa fina que caía sobre a cidade.

Órfão muito cedo, sempre fui rejeitado pelas outras crianças. Sabe como elas são: ávidas pelo breve prazer de desmerecer tudo aquilo que é diferente do que estão acostumadas. E, não tendo uma mamãe nem um papai, eu era um prato cheio para suas implicâncias e pequenas crueldades. Crianças são criaturinhas malignas; em toda sua inocência, elas são as que melhor sabem onde enfiar um alfinete para que a dor seja maior. Logo aprendi a não confiar em ninguém.

Por isso, cresci sem amigos. Sempre tive medo dos seres humanos. Sempre tive medo da rejeição. E sempre tive medo da solidão, por contraditório que possa parecer. E assim, eu andava sozinho na cidade. Era tudo brilhante, colorido, cheio de vida; eu só enxergava o cinza do céu, as lentes dos óculos embaçadas e úmidas.

Através da névoa que só cobria meus olhos, eu a vi. Era um broto de rosa, em todo seu viço, perdido na aridez do deserto, do meu deserto particular. Era bela, mas de uma beleza distante, insensível, era uma rainha de gelo. E por sentir nela uma cumplicidade que nunca encontrei em nenhum outro ser humano, ignorei meus instintos de lobo solitário e tentei me aproximar.

Talvez fosse destino; talvez ela só estivesse entediada, e eu aparentasse ser uma boa maneira de passar o tempo. Mas consegui, por fim, ultrapassar a barreira de indiferença que ela ostentava, e, pela primeira vez, pude chamar alguém de "amigo". Nos tornamos muito próximos em muito pouco tempo, éramos quase que indivisíveis: nos completávamos, tão diferentes um do outro, tão iguais. A frieza era só no exterior: Marie, esse era seu nome, era de doçura inebriante, e sua alegria de viver contagiaria até mesmo o robô depressivo de um filme a que assistimos juntos. Eu me contentava em admirar, embevecido, esperando algum dia conseguir ser assim.

A admiração tornou-se algo mais forte. Fiquei confuso, perdido, nunca sentira aquilo e não sabia como lidar. A vontade era de fugir, de escapar daqueles olhos penetrantes que pareciam rir das minhas ilusões românticas. Mas algo me prendia, e acabei por me deixar ficar. Nunca tive coragem de me abrir. Medo, muito medo de que ela, espantada por tanta intensidade vir de mim, se afastasse e me deixasse sozinho novamente. Levei tempo demais para demolir meus muros; não queria que tivesse sido à toa.

Um dia, passeávamos juntos por um parque. Ela contava uma de suas histórias, ela tinha milhares de histórias para contar. Eu sempre ficava ouvindo, feliz só de gravitar ao redor dela. De repente, não sei como nem porque, ela olhou para mim. Era uma sonda vasculhando até o fundo de minha alma, era um buraco negro que me engolia, era algo de inenarrável. Vi passar uma sombra pelo olhar, antes tão cristalino. Soube que seria desmascarado.

Reencontrei minha velha conhecida, a rejeição. Tentei consertar as coisas, mas Marie achou por bem nos afastarmos, antes que acabasse por me magoar. Como se a separação não fosse a maior mágoa...!

Assim, voltei a vagar, sozinho, pela cidade cinzenta. Pra variar, as condições meteorológicas conspiravam contra mim: como se apenas para reforçar o drama do momento, começou a chover no momento em que a avistei. Feliz, sem mais nada do gelo que me encantou à primeira vista, nos braços de um homem. Estaquei, atordoado, sem vontade de mais nada.

Nem mesmo de sair do meio da rua, onde um carro me acertou em cheio. O cinza do céu, o cinza da cidade, as brumas dos óculos começaram a escurecer.

4 comentários:

Croc disse...

q/

Aline Barbosa disse...

Nossa... Lindo texto!

Vc escreve mto, Dee... Perdão por repetir tanto isso... xD

Gostei mesmo...
Bjão!
\o7

Camila Melo disse...

Amei,amei,ameeeeeei!!!

Lindo o texto!!
Escreeveee mais viuu?

*-*

beeejo!

De Beachbarengril disse...

lindo *-*